terça-feira, 25 de agosto de 2009

Vik chega ao Museu Inimá de Paula

Vik chega ao Museu Inimá de Paula
Retrospectiva da obra do artista paulista radicado em Nova York chega a BH depois do sucesso no Rio de Janeiro e em São Paulo



Era tarde da noite quando, há 20 anos, o artista plástico Vik Muniz entrava de trem na fronteira da Hungria em direção a Budapeste. De repente, foi abordado por um soldado com metralhadora que se aproximou e pediu o passaporte. Por infelicidade, estava sem o documento. “O que você faz?”, perguntou o militar. “Sou artista”, disse Vik, se arrependendo da resposta. Até então desconhecido, o paulista de origem humilde, toda vez que falava a profissão, recebia um olhar de descrença ou gozação. Ocorreu o mesmo. “Então desenha!”. Sem alternativa, pegou papel e caneta e desenhou o guarda segurando a metralhadora, assinou e escreveu uma dedicatória para Sofia, esposa do militar. “Se ele tiver guardado até hoje o trabalho deve estar valendo uma nota”, diverte-se Vik Muniz, atualmente um dos artistas mais valorizados do país. Na sexta-feira, ele abre uma impactante retrospectiva no Museu Inimá de Paula.

Vista por mais de 250 mil pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo, a exposição Vik recupera aspectos do lado pop da carreira bem-sucedida do artista, que há 27 anos vive em Nova York. O público verá, nos três andares da instituição, fotografias de imagens ícones da cultura mundial recriadas a partir de materiais inusitados, como açúcar, pigmento, miniaturas de brinquedos, lixo, diamante e até materiais perecíveis como chocolate e macarrão. O processo foi “inventado” em 1983. Logo que chegou aos Estados Unidos ele comprou o livro O melhor de Life, coleção de fotografias famosas publicadas na revista. A edição foi perdida e, anos depois, num esforço de relembrá-las, desenhou as imagens sem qualquer outra referência a não ser a memória. Ficou tão tosco que, ao ser convidado para apresentá-las numa exposição, resolveu fotografá-las numa tentativa de suavizar o foco e disfarçar as imperfeições. Mal sabia que nasceria ali a linguagem que o notabilizaria internacionalmente.

Vik Muniz se tornou fotógrafo acidentalmente. Certa vez, usando um bloco de massinha, num exercício de criação, começou a inventar esculturas. A cada nova peça, fotografava o resultado e, em seguida, destruía a obra para fazer uma nova variação. Construiu e destruiu 52 esculturas e, ao fim, só sobraram as fotos e a matéria bruta. As imagens, neste momento, ganharam mais destaque que as esculturas. A linguagem foi potencializada quando passou a realizar esculturas, que, ao ser fotografadas, pareciam mais desenhos livres no espaço. A ilusão de ótica e a tentativa de iludir e confundir o olhar do espectador viraram aliadas em outras séries de trabalhos, como na recriação de cenas inocentes de crianças nativas da ilha de St. Kitts, no Caribe. A maioria tinha um futuro duro nas lavouras de cana-de-açúcar. A imagem não lhe saiu da cabeça, e ao voltar para Nova York resolveu refazê-las e fotografá-las usando como pigmento o açúcar. A preocupação política aparece em outras séries.

Quase tão curioso quanto o resultado visual das imagens é o processo de elaboração. Mas isso o espectador não verá na exposição. Para construir cenas com materiais como o lixo, não raras vezes Vik monta uma grande operação no subúrbio carioca envolvendo dezenas de pessoas, toneladas de lixo e, quando pronto, usa equipamentos de ponta para fotografar do alto. O processo se inverte na criação de desenhos com grãos de pigmentos. Utilizando ferramentas de consultórios de dentistas, Vik trabalhou seis meses e meio com máscara, touca e óculos para fazer o quadro A japonesa, célebre obra de Monet, a partir de pigmentos variados. “Qualquer espirro poderia dissolver tudo aquilo numa nuvem de fumaça”, justifica ele, que montou a cena embaixo de um andaime onde ficava dependurado trabalhando. A complexidade também fez parte da elaboração de um desenho de 600 metros de comprimento, realizado nas minas da Vale do Rio Doce com o auxílio de máquinas e até do GPS da companhia. “Agora, estou tentando retomar uma série com grãos de areia.”



CENAS CLÁSSICAS

Apesar de a questão da escala assustar, essa é uma variante que tem pouco a ver com a complexidade do projeto. No momento, o artista trabalha com um ambicioso projeto de fotografar milhares de pessoas na China, ao mesmo tempo, que, feitas a distância, formarão alguma cena conhecida. “Só de pensar no desafio, dá medo. Do ponto de vista de criação é legal criar problemas que, a princípio parecem insolúveis.” O processo de reproduzir cenas clássicas a partir de materiais inusitados, segundo ele, tende a se esgotar. Nem por isso planeja abandonar por enquanto a linguagem que já dura mais de duas décadas. Quando chegar o momento, ele tem outros trunfos. “Este é só um lado do trabalho desenvolvido. O que a exposição revela é um pouco do que acho da fotografia. É só uma fração do que fiz. Paralelamente, durante todos esses anos desenvolvi oito séries de trabalhos de natureza mais conceituais, mais frios, com uma preocupação mais crítica, que não estão na exposição”, explica.


Nascido em São Paulo, de família pobre – o pai era garçom e a mãe, telefonista –, Vik Muniz (o nome de batismo é segredo) começou a fazer arte com uma única preocupação: estabelecer um diálogo de verdade com o público. Fez disso seu maior objetivo e, desde a sala de aula, quando era professor e dava lições de fotografia, a preocupação em ser didático, sem didatismo, o instigava. O resultado da repercussão da exposição mostra o êxito do seu projeto de vida. “Estou feliz pela possibilidade de itinerância. Fiz pensando em São Paulo e no Rio e já estamos indo para Belo Horizonte e depois Curitiba, além de planos para Fortaleza e Brasília.” Para 2011, ele prepara outra retrospectiva, só que, desta vez, para a Europa. “O formato de retrospectiva tem um pouco mais de possibilidade de ser didático. Isto só cria mais acesso para quem não conhece meu trabalho”, anima-se.

VIK MUNIZRetrospectiva com 131 obras, a partir de sexta-feira, no Museu Inimá de Paula, Rua da Bahia, 1.201, Centro, (31) 3213-4320. Aberta às terças, quartas e sextas-feiras das 10h às 19h; quintas-feiras das 12h às 19h; e sábados das 10h às 19h. Ingressos: R$ 10 (inteira). Visitas guiadas: (31) 3213-4320. Até dia 2 de novembro.

Fonte (divirta-se.uai/Sérgio Rodrigo Reis - EM Cultura )

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